Assoc. Fronteira Católica: 2019

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Avanço e traição

Devido ao fato de que muitos dentre nós conhecem pouco da história do sedevacantismo, apresentamos o que Dom Williamson já escrevia sobre ele em 1984. As atitudes dos sedevacantistas são extremamente graves e os brasileiros têm obrigação de conhecê-las para resistirem aos lobos que querem invadir os apriscos do Cristo Rei e lhe roubar as almas. Mas os principais culpados são a Roma neomodernista e neoprotestante e o Concílio Vaticano II, como me lembrou Dom Williamson há poucos dias.
+ Dom Tomás de Aquino OSB

Avanço e Traição
5 de junho de 1984

Por Sua Excelência Reverendíssima
Dom Richard Nelson Williamson

Em maio, a visita do Arcebispo Lefebvre aos Estados Unidos desencadeou outra tremenda batalha entre Jesus Cristo e Satanás, seu eterno adversário! Desta batalha vieram boas e más notícias. Comecemos pelas boas!
Em primeiro lugar, a Fraternidade tem um novo padre americano, Pe. John Hogan de Michigan. Sua Excelência, o Arcebispo Lefebvre, de 78 anos, chegou da Europa no dia 10 de maio e deu a tonsura ou ordens menores a doze seminaristas no sábado pela manhã; em 12 de maio, crismou aproximadamente 50 crianças e adultos à tarde; e deu ordens maiores aos seminaristas mais antigos no domingo pela manhã, dia 13 de maio.
Foi uma bela cerimônia, diante de um altar-mor verdadeiramente impressionante, posto (bem a tempo!) por diversos dedicados seminaristas e leigos dentro da nova igreja. Do lado de fora, o sol luzia brilhantemente para dar as boas-vindas a cerca de 500 visitantes de todo os Estados Unidos e Canadá. Segundo vários comentários feitos pessoalmente, e também frequentemente por carta, muitos estavam profundamente impressionados e tocados pela majestade e beleza do catolicismo tradicional. Em uma de suas mais nobres cerimônias, a de ordenação sacerdotal, que festa para os olhos! Que elevação para a alma! Que esperança para o futuro!
O Superior Geral da Fraternidade, Pe. Franz Schmidberger, e o Superior do mais novo Distrito da Fraternidade, Pe. François Laisney, também estavam presentes como diácono e subdiácono da missa de ordenação, acompanhando o Arcebispo. Imediatamente após a cerimônia, ambos partiram para Michigan, onde eu gostaria que muitos dos nossos pudessem ter visitado nossa igreja, o santuário de São José, em Armada. Eles ficariam maravilhosamente edificados em ver doze padres, a maioria – mas não todos – da Fraternidade, fazendo um retiro em silêncio, por alguns dias, sob a direção do Pe. Schmidberger. Eles vieram de todas as partes dos Estados Unidos e Canadá, uniram-se humildemente em oração para buscar a Deus e prosseguir em comum o árduo trabalho de salvar almas. Que esperança para o futuro! Estes sacerdotes não estão lutando por si mesmos. Mais ainda, eles têm um pai no sacerdócio, um fiel e corajoso bispo da Igreja Católica Romana! O Arcebispo Lefebvre visitou-os no meio do retiro, depois de administrar a crisma numa capela não pertencente à Fraternidade em Pittsburgh, e estava pronto para falar longamente com cada um que quisesse vê-lo. Este é o retrato de um quadro católico atrativo e singular: o bispo entre seus sacerdotes, os sacerdotes ao redor de seu bispo.
De lá, o Arcebispo partiu para Minnesota, onde crismou aproximadamente 80 almas. Aqui, apesar de ter pintado um quadro sóbrio sobre a situação obscura em Roma, as pessoas se sentiam obviamente elevadas e tremendamente encorajadas por sua visita. Sua Excelência, então, partiu para St. Mary’s, Kansas, onde passou três felizes dias crismando, conversando com vários leigos que estavam auxiliando o Pe. de la Tour (o qual administra este importante estabelecimento educacional), e celebrando uma missa solene pontifical no sábado pela manhã. Uma pequena resenha está na publicação deste mês do The Angelus. Ele retornou a Nova Iorque para, dois dias após, voltar à Europa. Antes de partir, o Arcebispo disse que estava muito feliz com o espírito da Fraternidade, visto tê-la encontrado florescente no seminário, em St. Mary’s, e nos vários centros da Fraternidade que visitou.
Pe. Schmidberger, que chegou aos Estados Unidos no dia 10 de maio, passará um mês aqui até o dia 11 de junho, fazendo um longo e exaustivo tour por todo o país para se familiarizar diretamente com muitos dos empreendimentos da Fraternidade, o melhor método de construir sobre firmes alicerces a obra futura da Fraternidade neste país. Na metade de seu tour, ele está sendo acompanhado pelo novo superior na América, Pe. Laisney, cuja juventude, energia e inteligência prometem torná-lo uma grande aquisição para que a obra da Fraternidade nos Estados Unidos dê um passo importante a frente. Dos meados de junho em diante, é provável que ele permaneça (ao menos provisoriamente) em Dickinson, Texas, que se torna temporariamente um quartel-general para toda a Fraternidade nos Estados Unidos.
Por último – e talvez o mais importante –, Pe. Schmidberger está ansiosamente planejando estabelecer nos Estados Unidos um mosteiro para freiras que orem e se sacrifiquem, com a ajuda da Madre Marie-Christiane, atualmente a responsável por três carmelos florescentes na Europa ligados à Fraternidade São Pio X. Ele tem desejado ardentemente que ela venha aos Estados Unidos inspecionar dois possíveis locais para um quarto carmelo!
Madre Marie-Christiane, irmã de sangue do Arcebispo Lefebvre e freira carmelita há 56 anos, tem desejado, desde há um ano e meio, uma fundação nos Estados Unidos. A experiência direta de Pe. Schmidberger com a necessidade urgente de santas orações para atrair a graça de Deus sobre os Estados Unidos levou-o a apressar o anseio de longa data da irmã. Rezemos para que surta efeito!
Toda esta obra de construção e reconstrução por meio da Fraternidade é uma resistência ao demônio, a qual ele não iria deixar em paz. Sua reação não tardou!
Numa noite de domingo, no dia 20 de maio, quando o Arcebispo voltou ao seminário bem tarde da noite, vindo do Kansas, um tanto cansado pela viagem, mal ele pôs o pé para fora do carro, recebeu uma intimação para comparecer a um tribunal civil, num processo para expulsar a Fraternidade da propriedade do seminário aqui em Connecticut, processo esse aberto pelos padres Cekada, Dolan, Jenkins, Kelly e Sanborn. Os que estavam presentes notaram, e não se esquecerão jamais, o semblante de dor na face do Arcebispo que, é bom lembrar, era o pai no sacerdócio, destes padres. Até o momento, de acordo com o Antigo Código de Direito Canônico, qualquer um que citar civilmente [citar civilmente consiste levar em alguém diante de um juiz civil – NT] um bispo católico, antes de um julgamento canônico, incorre em excomunhão automática (1341). Então, de acordo com o único Código de Direito Canônico que eles mesmos [os padres que abriram o processo contra Dom Lefebvre – NT] reconhecem, estes cinco padres estão excomungados!
Alguns dias depois, eis um acontecimento que não surpreenderia nenhum católico familiarizado com a passagem do Evangelho sobre a traição a Nosso Senhor, mas que, não obstante, causou profundo choque, sofrimento e escândalo para muitos deles: dos quatro padres recém-ordenados, que livremente pediram e receberam a ordenação sacerdotal na Fraternidade Sacerdotal São Pio X pelas mãos de seu fundador, o Arcebispo Lefebvre, depois de, na véspera, livremente prestarem solene juramento de fidelidade a seus superiores, com as mãos postas sobre os Evangelhos, dois, na tempestuosa noite do dia 23 de maio, em meio a relâmpagos e chuva torrencial, saíram do seminário e se uniram a nove sacerdotes que haviam desertado no ano anterior e, dois dias depois, um terceiro, já ausente, anunciou que estava fazendo o mesmo. E era noite.
Alguns fatos ressaltarão a natureza deste ato. Primeiramente, agora sabemos que bem pouco tempo depois da deserção dos nove [sacerdotes] um ano atrás, estes três, de fato, disseram a alguém que eles tinham a intenção de mentir para alcançarem o sacerdócio. Certamente, depois de um ano inteiro, suas palavras e ações no seminário tinham o caráter de persuadir a todos, sacerdotes, seminaristas, e mesmo visitantes, de que eles seriam leais à Fraternidade. Eles viveram, por um ano inteiro, mentindo?
Em segundo lugar, na véspera de suas ordenações, de acordo com os requisitos necessários da Santa Madre Igreja, todos os três fizeram um solene Juramento de Fidelidade no altar de Deus, com suas mãos tocando os Evangelhos diante do Santíssimo Sacramento no tabernáculo aberto, jurando, entre outras coisas, que respeitosamente obedeceriam a seus superiores na Fraternidade São Pio X. O texto completo deste juramento e as assinaturas dos três acompanham esta carta.
As alterações feitas no texto por um deles sugerem que ele não estava à vontade; e, de fato, para fazer tal juramento, cada um deve ter encontrado, ou recebido de alguém, uma maneira de justificar ou tornar razoável, para si mesmos e para os outros, o que fizeram. Entretanto, em terceiro lugar, se diante de Deus cometeram perjúrio, terem recebido as ordens sacras em tal estado terá sido um grave sacrilégio.
Em quarto lugar, ao fim da cerimônia tradicional de ordenação, cada um colocou sua mão entre as mãos do Arcebispo, que lhes perguntou em latim “Prometes-me a mim e aos meus sucessores reverência e obediência?” Cada um respondeu claramente “Promitto”, que quer dizer “Eu prometo”.
Em quinto lugar, a ruptura (ao menos aparente), após dez dias, destas promessas e juramentos solenes, vista em conjunto com todas as outras circunstâncias da última deserção, causou e continuará a causar um terrível escândalo para os católicos, não somente àqueles ligados à Tradição, que sustentaram financeiramente e ajudaram os três [citados sacerdotes – NT], porque confiaram que eles seguiriam ao Arcebispo Lefebvre em defesa da Fé, mas também a muitos outros que ainda não se ligaram à Tradição e que erroneamente, mas de modo compreensível, dirão que se a Tradição fomenta este tipo de deslealdade, não querem nada com ela.
À guisa de comentário a estes fatos, cremos que três citações no momento sejam suficientes. No dia 27 de maio deste ano, Pe. Sanborn disse no púlpito em Traverse City, Michigan, “Estou muito contente em anunciar que três dos quatro sacerdotes, que foram ordenados pelo Arcebispo Lefebvre em 13 de maio, decidiram se juntar a nós. Isto me alegra porque os formei, e nem todos os frutos de meu trabalho como reitor do seminário foram perdidos.” (Pe. Sanborn compreendeu que frutos ele reivindica serem seus?)
No dia 28 de abril do ano passado, pouco tempo depois da separação entre a Fraternidade e os nove sacerdotes, o Arcebispo Lefebvre disse no seminário a todos os seminaristas, inclusive a estes três que desertaram há pouco tempo:
Espero que façam a escolha certa. Mas devem escolher, [pois] se concordam com a posição, a atitude e a orientação do Pe. Kelly, então sigam-no. Se pensam que Monsenhor Lefebvre está correto, então sigam a atitude de “Monseigneur” [Este é o modo de chamar Dom Lefebvre na língua francesa – NT] e da Fraternidade. Mas vocês devem ser claros… honestos. Não digam: Ficarei em silêncio até depois da minha ordenação. Isto é errado! Deus sabe! É uma mentira diante de Deus… não diante de mim. Eu não sou nada. Mas diante de Deus! Os senhores não podem fazer isso! Foi exatamente isto que o Pe. Dolan disse, “Eu soube ficar quieto até minha ordenação.” Não consigo compreendê-lo fazendo isso! Um futuro padre fazendo isto??
E no dia 30 de maio deste ano, um dos três últimos desertores, quando uma senhora censurou-o dizendo que um golpe como este que deram poderia ter matado o Arcebispo, replicou, “Ah, ele já está com 78 anos mesmo. Veja, sou grato a ele, porque sem ele eu não seria sacerdote”.
As pessoas podem se perguntar porque algo assim aconteceria dentro de um seminário, e se o mesmo não acontecerá novamente. A resposta é que Jesus viu as profundezas do coração do homem (João 6, 65-71), e mesmo assim preferiu permitir que um Apóstolo fosse infiel. Quanto aos sacerdotes de Jesus, só podemos perscrutar os corações humanos “tão longe quanto a fragilidade humana nos permita conhecer” (palavras do próprio rito de ordenação). Caso contrário, se chega a um ponto de desconfiança, no qual o serviço de Deus para de funcionar e um seminário católico já não consegue mais operar, porque a caridade “tudo crê e tudo espera” (I Cor. 13,7). Entretanto, estamos de olhos abertos, e um seminarista já foi convidado a se retirar, desde a deserção, pois, sob questionamento, ele confessou que compartilhava claramente o modo de pensar dos desertores.
Para fortificar sua fé, o seminário e o santuário St. Joseph, novamente neste verão, estão oferecendo alguns dias com os grandes Exercícios Espirituais de Santo Inácio. Aproveitem esta incomparável oportunidade para fortalecer sua vida espiritual, que é mais importante do que qualquer outra coisa. De nossa parte, com o auxílio de Deus, nem a Fraternidade nem o seminário sairão de seu curso, mas a despeito destas experiências, ou mesmo por causa delas, ambos prosperarão como a Deus aprouver. Nosso próximo projeto é a abertura de outra missão em Long Island, onde muitos católicos encontram-se em perigo.
Que a vontade santíssima e imperscrutável de Deus seja sempre adorada, e que sua Mãe Santíssima, a Virgem fidelíssima, um dia nos obtenha, nestes tempos infiéis, as graças da fidelidade e da lealdade!
Tradução do texto original em inglês (que se encontra abaixo) “Letters From the Rector of St. Thomas Aquinas Seminary”, Volume 1: The Ridgefield Letters (p. 31 to 38)